conto escrito durante a oficina de criação literária “O conto em transe” – 17.09.2016
Aquela noite nunca sai da minha memória. É difícil pra mim, Brigite, esquecer teu nome, teu noturno e sereno nome, versão azul de Netuno, verão calmo do meu futuro, ou meu ex-futuro, sei lá, agora já nem sei mais.
Desejo puro é perdição e a perda de um mundo, desconforto de eterno vão.
Mas a noite do mundo só deixou de ser infinita quando Deus decidiu criar o dia. Antes disso, Adão e Eva não precisavam se preocupar com a luz. Nem contigo, Brigite.
O sol conversa com o topo da montanha até que todas as lâmpadas sejam acessas no vale. Na montanha, índios descobriram uma planta que antecipa o anoitecer de uma vida inteira.
Entendo.
Sempre soube, aliás.
Wish you are here e uma teoria muito louca são duas combinações próximas: eu tenho a teoria de que você sempre precisa estar distante de mim, Brigite, ou do contrário não poderei enlouquecer cantando Wish you are here.
Aqui, tua carta.
Descobri há quatro dias que você foi embora, Brigite. É difícil, à noite. Mas este ano não haverá a noite mais longa do ano. Queimei todos os calendários da casa. Não haverá data alguma daqui por diante, nem mudança de estação.
O tempo parou há quatro dias.
Neste momento: o cheiro das cinzas, teu perfume, o pão no forno. Vou ter um banquete de café e pão com Schmilco. “A marquesa saiu às cinco horas”. Pra ver como minha dor me enfeia, Brigite. Sou capaz de frases banais. Sou capaz de mais, mas também de frases banais. Tá. Sou só uma fã de Wilco. Mas sei de algo: Edifício Brigite, apartamento 301, teu velho endereço, pode vir a ser o teu novo destino, um dia. Não mais o meu.
Mas, Brigite, essa tua carta é mesmo uma piada: toda cheia de piedade – um bilhete de compaixão pela minha mísera pessoa só porque um dia eu te amei. Quase a devolvo, devoro o carteiro. O carteiro, na volta ao correio, deve ter meditado sobre a noite profunda ao redor dos meus olhos. Talvez ele não consiga dormir, Brigite, viu o que você fez? E se ele tiver filhos, como eu?
É difícil.
Sim, a tua pergunta na carta: não: não vou mudar de ideia sobre a porta dos fundos. É ali que o sol noturno ressoa. E vai ser sempre assim.
– Katherine Funke, durante as oficinasnobarba.tumblr.com